Por Ana Cristina Pinho* e Liz Maria de Almeida**
O cigarro eletrônico é um dispositivo que fornece nicotina associada a aditivos químicos com sabor de frutas, bebidas, doces, sorvetes, o que o cliente quiser. A nicotina é um psicoativo encontrado nas folhas do tabaco; ao ser consumida, provoca uma sensação de bem-estar passageira. A exposição repetida a essa substância desencadeia o mecanismo de tolerância, provocando um aumento no número de receptores nicotínicos nas membranas. A consequência é que o cérebro passa a exigir doses cada vez maiores para obter o mesmo prazer do início do uso. Quando a quantidade é insuficiente, a pessoa pode experimentar sintomas de abstinência.
Alguns dos efeitos mais comuns do uso dos cigarros eletrônicos são tosse, boca seca, falta de ar, irritação na garganta, dor de cabeça, crises de asma e bronquite, lesões na cavidade oral, reações alérgicas, aumento da frequência cardíaca e hipertensão arterial. Uma revisão sistemática realizada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) revelou que o uso de cigarros eletrônicos aumentou em quase três vezes e meia o risco de o indivíduo experimentar o cigarro convencional, e em mais de quatro vezes o risco de se tornar fumante habitual.
No Brasil, graças à Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC 46, de 28 de agosto de 2009), que proibiu a venda, comercialização e importação dos cigarros eletrônicos, o uso desses dispositivos não se difundiu tão rapidamente como em muitos outros países. A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 mostrou que 0,6% dos indivíduos de 15 anos ou mais já faziam uso do produto (cerca de 1 milhão de pessoas), mas, entre as de 15 a 24 anos, esse percentual era quatro vezes maior (2,4%), correspondendo a cerca de 700 mil jovens. Muitos ainda não experimentaram o cigarro convencional, mas pode ser questão de tempo.
Infelizmente, enxergamos uma ameaça real aos resultados positivos obtidos com os esforços de uma rede nacional e internacional, que inclui entidades governamentais, não governamentais, sociedades científicas, mídia e a própria sociedade civil, que levaram à redução da proporção de fumantes no Brasil, de 35% (1989) para 12,8% (2019). Hoje, a população brasileira tem consciência dos prejuízos que o consumo de produtos de tabaco traz para a saúde, o meio ambiente e a economia. A liberação do uso dos cigarros eletrônicos poderá provocar uma nova onda de dependentes de nicotina no país – especialmente entre os jovens – e anular tamanho ganho já alcançado.
Para a indústria multinacional de produtos do tabaco, o que importa é fazer novos consumidores de nicotina, que, consequentemente, se tornarão dependentes e passarão a comprar suas mercadorias, analógicas ou eletrônicas. Quanto mais precocemente forem iniciados, por mais tempo se tornarão consumidores regulares.
Nossos esforços devem caminhar em sentido oposto, na direção do controle do tabagismo, com a ampliação de ações de esclarecimento à população, visando à prevenção da iniciação do consumo dos produtos contendo nicotina, à proteção do meio ambiente e ao estímulo à cessação do uso, com ampliação da oferta do tratamento do fumante na rede SUS, em todo o território nacional. Por isso, o Inca manifesta apoio à manutenção da RDC 46/2009, que, com base no princípio da precaução, resguarda a população da venda, comercialização e importação de mais um produto que pode comprometer a saúde e trazer mais prejuízos para nossa economia e o meio ambiente.
*Médica, é diretora-geral do Inca
**Médica, é chefe da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Inca
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